Educação, equidade e mudança: horizontes no pós-pandemia

Educação, equidade e mudança: horizontes no pós-pandemia

2020-2022: um período que ficará para sempre na memória de quem o vivenciou, em particular de crianças, jovens e suas famílias, assim como dos profissionais de educação. Erguidas as taças de champanhe e partilhados os melhores votos para o ano de 2023, qual o ponto de situação da educação no nosso país, na perspetiva dos alunos? Qual o estado das aquisições e aprendizagens no ensino básico? Que perdas e ganhos ocorreram e que tiveram o seu impacto na relação escola-família? De que forma os obstáculos suscitados pela pandemia por SARS-COV2 ocasionaram mudanças significativas na prática pedagógica e na formação de professores?

De entre o que tem sido possível apurar até à data, constata-se que a pandemia “criou uma circunstância «particularmente favorável à modernização do sistema educativo e da escola» (Figueiredo, 2021)”, registando-se um salto notável relativamente a uma utilização mais efetiva, consciente e variada de ferramentas digitais, da adesão a soluções de formação a distância, assim como o recurso à comunicação por videochamada de forma mais frequente e generalizada nas mais diversas vertentes. Nesta linha, cumpre recordar a aposta da tutela na Capacitação Digital de Escolas e Docentes, estando em curso o projeto-piloto do desenvolvimento de manuais digitais (PPMD), com a ambição de se estender a todas as escolas portuguesas.

Somam-se, porém, consequências particularmente negativas, cuja inteira dimensão estará ainda por apurar, como sejam no contexto de perturbações ao nível do desempenho escolar, perdas de aprendizagem, bem como dificuldades a nível de regulação emocional em face das limitações impostas aquando dos períodos de confinamento devido à pandemia.

Vários estudos foram realizados nesta linha, estando à distância de um clique duas publicações do Conselho Nacional de Educação (CNEDU, Portugal), produzidas entre 2020 e 2021, que procuraram não só compreender os efeitos da pandemia na educação, como ainda identificar respostas encontradas pelos atores no terreno perante as alterações desencadeadas e o adensamento de desigualdades ocasionados pelo encerramento dos estabelecimentos de educação e ensino naquele período. Atenda-se ainda aos desempenhos apurados por meio das Provas de Aferição 2022 no site do IAVE (Instituto de Avaliação Educativa), onde se torna evidente o decréscimo da qualidade dos resultados nomeadamente ao nível da língua portuguesa no 2º ano de escolaridade, comparativamente com o verificado em 2019. Considerado o caráter transversal da área do Português e o facto de aquele nível de escolaridade constituir momento sensível de consolidação na aquisição das competências de leitura e escrita, até que ponto poderão estas crianças ver o seu percurso escolar comprometido nos anos que se seguem?

E por falar em equidade: Como se salvaguardou, na prática, o acompanhamento dos alunos com necessidades de saúde especiais, assim como as crianças que têm uma diferente língua materna, sendo extremamente precária a sua capacidade de comunicação, estando absolutamente em causa a sua integração no sistema de ensino português e na sociedade? Até que ponto se evidenciam agora as desigualdades no acesso à educação no período em que as escolas estiveram encerradas?

Estas e outras questões levaram professores e estudantes da Escola Superior Jean Piaget de Almada a mobilizar-se, organizando as II Jornadas Internacionais de Educação Básica, em parceria com a Faculdade Piaget de Campus Suzano (Brasil) e a Unipiaget de Cabo Verde, as quais decorreram online no passado dia 10 de setembro 2022.

Promover sessões de diálogo e partilha teve os seus frutos, dando voz a profissionais de educação, associações de encarregados de educação e investigadores, que assim deram testemunho dos impactos da pandemia na educação: iniciativas que têm promovido a superação das perdas verificadas, como as famílias enfrentam os efeitos dos períodos sem aulas presenciais face ao desenvolvimento dos seus filhos em idade escolar e pré-escolar, como foi percecionada a relação escola-família, até que ponto se terão adensado – e até perpetuado – as desigualdades no acesso a uma educação de qualidade. Refletiu-se, com apreensão, a existência de evidências quanto aos efeitos da pandemia em diferentes dimensões do desenvolvimento da criança, muito particularmente a nível sócioafetivo, mas igualmente em termos motores.

Ponderou-se como a gestão do ambiente em sala de aula tende a tornar-se hoje mais desafiante sobretudo junto de crianças em idade escolar, pelo facto de terem mais dificuldade em gerir emoções e frustrações, cujas consequências são particularmente notórias na forma como comunicam entre si, assim como na qualidade da relação pedagógica. Surgirão testemunhos comprovados, num futuro próximo, de como as aprendizagens em alguns anos de escolaridade ficaram comprometidas de forma significativa, em particular junto de contextos familiares que, pelos mais diversos motivos, não conseguiram dar apoio ao estudo. Pois, ainda que se tenham operado importantes mudanças na introdução de plataformas educativas digitais e desenvolvido recursos técnico-pedagógicos inovadores, as respostas tecnológicas não estão necessariamente ao alcance de todos, não podemos assumir a literacia digital em contexto familiar como um dado adquirido e a relação escola-família nem sempre decorre de acordo com as expectativas das instituições educativas.

Finda a maior prova pela qual a Humanidade passou nos últimos 100 anos, reconhecemos em nós a capacidade de nos reajustar em situações limite. Mas não nos podemos ficar pelos mínimos. A resposta a todos os males não está, ou melhor, não se resume ao digital nem à mudança do formato dos recursos utilizados. Passa pela capacidade de dar uma resposta verdadeiramente atual a diferentes expectativas de construção de conhecimento e de um maior comprometimento com o mundo que nos rodeia e desafia. Oportunamente, as orientações da OCDE no horizonte da educação 2030 apelam a uma mudança de fundo, instigando a um reposicionamento da educação, dotando-a de um papel que ultrapassa a mera preparação para a integração no mercado de trabalho. Independentemente dos contextos e dos atores, espera-se o desenvolvimento de competências que permitam aos alunos ser cidadãos ativos, responsáveis e comprometidos com os diferentes desafios colocados na atualidade no exercício de diferentes papéis sociais. Passa por reajustar a lente, colocar as questões certas, avaliar e reequacionar a escola que queremos a partir das condições reais que temos.


Ana Rita Leitão

Professora Assistente Doutorada no IPJPS/ESEJP de Almada