Música bem temperada na escola. Ou não

Música bem temperada na escola. Ou não

Façamos uma viagem pelo ensino da música deixando um desafio muito especial aos seus professores: competência pedagógica junto das crianças que lhes são musicalmente confiadas.

Ao aventurarmo-nos na música com as crianças, procuramos estar atentos às novas tendências pedagógicas no ensino da música. Com maior ou menor sucesso, procuramos também adaptarmo-nos aos diferentes contextos sociais, económicos e culturais de cada espaço por onde temos passado. É fundamental o aluno ter sorte com o seu futuro professor.

Lanço dois grandes desafios a todos os que se dedicam à nobre e difícil arte do ensino da música.

O primeiro desafio é a boa planificação das aulas para cada criança ou grupo de crianças. Uma tarefa exigente, já que cada criança é única e, dentro de cada grupo, existe uma natural heterogeneidade cognitiva e consequente capacidade musical. Essa planificação deve ser ambiciosa, não estanque e musicalmente intensa. A intensidade incutida por nós tem a ver com esta característica peculiar da educação musical: o desconhecimento ou miopia da fronteira entre o trabalho e o prazer. São incontáveis as circunstâncias em que sentimos um gozo enorme nas apresentações musicais. Os professores de música têm uma forte responsabilidade cultural. Imensa.

Muitos projetos carecem de um trabalho prévio de algumas semanas. E de algo preferencialmente diferente. Não me lembro de repetir ipsis verbis, atividades ano após ano. Podemos comparar esse erro ao conhecimento do mundo. Portugal é belo, mas há a França, há a Índia, há o Japão. Há uma infinidade de países a conhecer.

A partilha da música é semelhante. Podemos manter o nosso legítimo e fiel repertório durante anos a fio, mas também podemos conhecer outras dimensões estéticas, outras atividades e estratégias que enriquecem ainda mais o crescimento musical da criança.

Mas experimentamos e experienciamos. E a isso chamamos uma experiência musical.

O outro desafio é igualmente merecedor de atenção e preocupação. Refiro-me à formação contínua de professores de música. No ensino genérico da música, as crianças têm contacto com professores “especializados” de música que pouca ou nenhuma formação de didática da música frequentaram.

Risco. Arrisco. Convido os professores de música ao risco. O risco de desafios nunca experimentados e, aparentemente, significando uma incógnita no sucesso da sua estratégia. É importante o exercício primário da autoavaliação.

O professor de música deve assumir e partilhar com otimismo a sua competência junto da sua comunidade educativa, relegando para segundo plano questões também importantes como as políticas educativas, a indisciplina ou a falta de recursos na escola. Todos nós nutrimos muito carinho por aqueles que dão muito de si, como, por exemplo, os professores em final de carreira e cujas dinâmicas parecem sair tão frescas como a de um recém-licenciado ávido de partilhar o que sabe.

Os professores de música têm o privilégio de produzir e fazer sentir sensações quando tocam ou cantam algo. Emocionam-se. Os professores de música têm um apetite cultural e criativo vasto. São músicos e educadores. São educadores musicais.

O professor de música atreve-se a usar o termo “paixão” na sua prática profissional. Esta palavra tem várias traduções: entusiasmo, capacidade em criar feedbacks, atitude e predisposição positiva, energia e o cuidado especial com a música e com a música que é produzida pela criança.

Este compromisso intrínseco traduz-se numa conceção da música com epicentro na partilha – entre educadores, crianças e pais e traduzida em cumplicidades e afetos.

Um último empurrão musical: entusiasmo, irreverência e competência no crescimento integral das crianças.


Pedro Filipe Cunha

Docente do Mestrado de Ensino de Música do Instituto Piaget de Viseu